Quando se fala em TDAH, a imagem mais comum é a de um menino agitado, inquieto, que não para na sala de aula. Mas essa é só metade da história.
O que a maioria dos pais — e até alguns professores — não percebe é que o TDAH se mostra de formas muito diferentes em meninos e meninas.
Dessa forma, a desigualdade dos comportamentos entre os gêneros muda completamente a maneira como o transtorno é percebido, diagnosticado e tratado.
Por isso, entender como o sexo da criança influencia na expressão do transtorno é muito importante para evitar diagnósticos tardios, autocríticas desnecessárias e trajetórias de vida cheias de frustração.
Como o TDAH aparece nos meninos
Nos meninos, o TDAH costuma ser mais visível, principalmente porque a forma hiperativa e impulsiva é mais comum entre eles.
São aqueles comportamentos que chamam a atenção rapidamente — e, portanto, tendem a ser notados e tratados mais cedo. Os meninos com TDAH geralmente:
- Têm muita energia física, se mexem o tempo todo e falam sem parar;
- Interrompem conversas, gritam respostas antes da hora e se impacientam com regras;
- Demonstram impulsividade em jogos, atividades ou situações sociais, o que pode gerar conflitos com colegas;
- Mostram dificuldade para se concentrar por longos períodos, principalmente em tarefas que precisam de foco contínuo, como leitura ou escrita.
Essa energia, que muitas vezes é interpretada como “falta de limites” ou “rebeldia”, na verdade é uma forma de expressão de um cérebro que funciona em um ritmo diferente, com um nível de estimulação interna constante.
Por isso, o diagnóstico costuma ser feito mais cedo: estudos indicam que meninos têm até três vezes mais chances de serem diagnosticados com TDAH do que meninas.
Como o TDAH aparece nas meninas
Já nas meninas, o cenário é completamente outro, pois o TDAH nelas é muito mais silencioso, interno e emocional.
Em vez de correr, gritar ou desafiar regras e limites, as meninas com TDAH passam despercebidas por anos, tendo a condição identificada na adolescência ou na vida adulta.
Sendo assim, as meninas com TDAH costumam:
- Demonstrar desatenção e distração constantes, mas de forma sutil;
- Sonhar acordadas, parecer sempre “no mundo da lua”;
- Ter baixa tolerância à frustração, mas esconder isso com autocobrança e perfeccionismo;
- Esquecer compromissos, perder objetos, demorar para terminar tarefas, o que pode ser confundido com “preguiça”;
- Mostrar instabilidade emocional, alternando fases de entusiasmo com fases de desânimo.
A dificuldade aqui é que essas posturas e atitudes não são vistas como comportamentos-problema — logo, ninguém suspeita de TDAH.
Por isso, muitas meninas crescem acreditando que são “distraídas”, “lentas” ou “emocionalmente confusas”, internalizando culpa por algo que é neurobiológico, não falta de esforço.
O impacto dessa diferença: diagnóstico tardio e sofrimento interno
Esse contraste de comportamento faz com que meninas recebam o diagnóstico de TDAH muito mais tarde — às vezes só após os 25 ou 30 anos.
Pesquisas mais recentes mostram que o diagnóstico em mulheres costuma atrasar, em média, de 5 a 7 anos em relação aos homens, e durante esse tempo, muitas passam por:
- Dificuldades escolares constantes;
- Problemas de autoestima;
- Relacionamentos marcados por autocrítica e culpa;
- Transtornos associados, como ansiedade e depressão.
O resultado é uma geração de mulheres que cresceram acreditando que eram um problema, quando na verdade a medicina de sua época é que nunca as olhou com o filtro certo.
A influência dos estereótipos de gênero
Outro ponto de atenção é o peso dos estereótipos de gênero.
Isso porque, culturalmente, espera-se que os meninos sejam mesmo agitados e as meninas “mais comportadas”.
Por isso, quando um menino é inquieto, ele é visto como “naturalmente ativo”, mas quando uma menina é muito distraída, ela é vista como “desorganizada ou desligada do mundo”.
Segundo um levantamento da American Psychological Association, a maioria dos professores associa TDAH a comportamentos visivelmente ativos; contudo, a maioria subestima os casos de desatenção em meninas.
O problema é que isso gera uma distorção que impacta toda a vida escolar, porque enquanto os meninos são encaminhados para avaliação, as meninas são orientadas a “tentar se concentrar mais”.
Os sinais que os pais devem observar
Os sinais de TDAH variam de criança para criança, independentemente do gênero, mas alguns padrões ajudam a diferenciar o que é apenas comportamento infantil e o que merece mais atenção:
- Desatenção em tudo: dificuldade para manter o foco mesmo em atividades que gosta;
- Esquecimento constante: perde objetos, esquece instruções simples;
- Dificuldade com tempo e organização: se atrasa, procrastina, evita tarefas longas;
- Hiperatividade (em meninos mais comum): fala muito, se mexe o tempo todo, interrompe os outros;
- Hiperatividade mental (em meninas mais comum): pensamentos acelerados, ansiedade e dificuldade de relaxar;
- Emocionalmente reativos: explodem com pequenas frustrações ou têm mudanças bruscas de humor.
Os pais podem observar se o comportamento do filho interfere muito na rotina — em casa, na escola ou nas interações sociais —, pois, quando há impacto relevante, vale buscar avaliação com neuropediatra ou psicólogo especializado em TDAH.
5 formas de apoiar o filho com TDAH
Mais do que entender o transtorno, é preciso mudar o ambiente e o olhar sobre a criança.
Afinal, o TDAH não é uma falha de caráter, é uma condição neurobiológica que demanda estratégias diferentes para funcionar bem.
Seguem 5 sugestões que podem ajudar:
- Rotinas estruturadas: horários fixos, listas visuais e previsibilidade ajudam a reduzir a sobrecarga mental das crianças;
- Reforço positivo: reconhecer esforços e progressos do seu filho, não apenas resultados bem-sucedidos;
- Dividir tarefas longas: transformar grandes demandas em pequenas metas;
- Ambientes mais calmos e com menos estímulos: sons, telas e interrupções afetam diretamente a concentração até mesmo de quem consegue manter o foco;
- Acompanhamento profissional contínuo: terapia comportamental, psicoeducação e, quando indicado, tratamento medicamentoso.
TDAH na vida adulta: o que acontece quando não é tratado
O TDAH não desaparece com a idade — ele apenas muda de forma. Por isso, muitos adultos, especialmente mulheres, só percebem os sinais depois de anos de exaustão mental, procrastinação crônica e muita autocrítica.
Sem tratamento, o transtorno pode causar problemas como:
- Dificuldade para manter empregos ou concluir projetos;
- Problemas de relacionamento com amigos, familiares e parceiros românticos;
- Síndrome do impostor, ansiedade e burnout.
Mas a boa notícia é que, com diagnóstico e tratamento, é possível aprender a administrar o TDAH.
Hoje há inúmeras ferramentas terapêuticas, desde acompanhamento multidisciplinar até apps de organização e técnicas de atenção plena adaptadas para cérebros neurodivergentes.
Para finalizar, reforçamos que falar sobre TDAH sob a ótica de gênero não é dividir, mas incluir realidades diferentes dentro de um mesmo diagnóstico.
Porque só assim será possível garantir que cada criança, menino ou menina, seja vista com o olhar que merece: o de quem entende que comportamento é uma forma de linguagem — e que por trás da agitação ou distração, existe apenas alguém tentando se equilibrar com o próprio ritmo interno.


